Ernst Toller: socialismo e ,,Masse-Mensch”
Dramaturgo, poeta e revolucionário, a história de Ernst Toller é uma história de ousadia e tragédia
Matheus Jacob Barreto
Especial para o DC Ilustrado
Ernst Toller (1893-1939) foi um dramaturgo, poeta e político comunista alemão. Foi por seis dias presidente da República Soviética da Baviera, país de vida curtíssima e que fora criado através de um golpe de estado na Baviera (Alemanha). Após o ataque à extinção da República Soviética da Baviera, Toller foi preso. Anos mais tarde, com a ascensão dos nazistas ao poder, exilado. Suicidou-se em Nova Iorque aos 45 anos, já sem dinheiro e em depressão (doara quase todo o seu dinheiro aos refugiados da Guerra Civil Espanhola e ficara sabendo que sua família havia sido enviada a um campo de concentração).
Para além das convicções políticas de Ernst Toller, ele foi um dramaturgo e poeta de considerável talento – talento este parcialmente desenvolvido devido ao suicídio. Escrevera diversas peças que alcançaram algum reconhecimento, reconhecimento esse suficiente para que artistas do porte de um Thomas Mann interviessem a favor de Toller quando ele fora preso e exilado.
Conversaremos hoje sobre a peça ,,Masse-Mensch” (Homem-Massa, 1921).
Em linhas gerais, a peça gira em torno de uma tentativa de revolução popular levada a cabo 1) por Mulher,personagem que acredita no “homem” como ser pensante e sensível 2) e por Sem-Nome, entidade que acredita na “massa” como grupo homogêneo a ser moldado e remodelado de acordo com a vontade de um líder. Após a morte de incontáveis trabalhadores, a tentativa de revolução é suprimida pelo governo dominante e seus principais líderes são presos.
A peça, que fora escrita num impulso em 2 dias e meio, lida com os conflitos muito palpáveis enfrentados por Toller quando este participou do golpe de estado que levara à criação da República Soviética da Baviera (1918). Toller lutara anos antes na Primeira Guerra Mundial: impressionado pelo seu encontro ali com a morte, a doença e a humilhação que uma guerra indiscriminadamente traz, Toller se tornou ao final da guerra um pacifista. Assim, lutar pelo golpe de estado na Baviera lhe causou grande impacto e aflorou conflitos internos entre suas convicções políticas e seu pacifismo.
Na peça ,,Masse-Mensch”, Mulher (personagem que exalta os benefícios da greve para as lutas proletárias e que se opõe à luta armada) entra em conflito com Sem-Nome (personagem a favor da luta armada, vê os trabalhadores como uma grande massa que precisa ser levada ao conflito direto com o estado burguês para que só depois haja paz completa no então recém-criado estado socialista).
Mulher acredita na mudança gradual da mentalidade dominante, sempre sem o uso da força física; Sem-Nome acredita na revolução imediata e através da força.
Percebe-se, então, aí instalado e em dramaturgia representado o conflito entre a consciência do poeta e si mesmo.
Como o leitor da coluna deve ter percebido, o texto da coluna de hoje quase não falou de aspectos formais da peça ,,Masse-Mensch”: falou apenas das convicções de seu autor e da relação da peça com os acontecimentos de sua vida. Como o presente texto não é uma análise, e sim uma conversa, não vejo nisso grandes problemas.Outro motivo para o texto pouco analítico é o fato de (talvez também na opinião do próprio dramaturgo, já que ele considerava a parte formal de sua peça pouco trabalhada devido à sua própria incapacidade de se distanciar da matéria [vide prefácio à segunda edição]) sua ,,Masse-Mensch” não ter grande valor artístico quando comparada ao resto da produção de Ernst Toller. A reflexão que a peça causa, no entanto, é valiosa: individualidade versus comunidade, pacifismo versus guerra, mudança lenta versus revolução, homem versus massa.
Até que ponto os interesses do coletivo ultrapassam a vontade individual? Quais fins justificam quais meios? Qual o limite para os sacrifícios em prol de um Bem Maior? Pode haver sacrifícios? Há Bem Maior? Como se alcança o Bem Maior? Por meio de quê? Pelo uso de qual força? Pelo uso de alguma força? Até que ponto é moralmente permitido chegar? Há moral? Qual moral? Moral criada por quem? Para quem?
Quanto vale a vida de um homem? E sua morte?
Ernst Toller parecia também não saber a resposta quando se suicidou em 22 de maio de 1939.
*Matheus Jacob Barreto é estudante de cinema e escritor. Seu livro “É” está em 2ª edição pela Editora Scortecci