A metáfora do Oktoberfest

Sempre no final do mês de setembro é inaugurado em grande estilo, na Alemanha, a que é considerada a maior festa popular do mundo: o Oktoberfest. Imagens recorrentes têm sempre o mesmo roteiro: tradicionalmente, o prefeito da cidade de Munique, inaugura frente as câmeras de TV o barril de cerveja com a tradicional expressão “O’zapft is” coroando o ritual existente desde 1810, com o encher do caneco e também o sorriso para as câmeras certificando a missão cumprida.

Nos principais noticiários em horário nobre da TV é sempre relevante quantas pauladas foram necessárias para fincar a torneira no barril. O foco das notícias é também o preço da cerveja, que aumenta a cada ano.

A agência de turismo de Munique divulga estatísticas sobre o ano anterior, qual foi o número total de visitantes, quanto se consumiu de cerveja, quanto se comeu de salsicha de porco e quanto de Eisbein. Atesta também a explosão das diárias dos hotéis na cidade durante o evento. Em 2012, o preço da caneca de cerveja varia de 9,10 a 9,50 euros, informa o site da agência.

Reduto de mais ou menos famosos

Uma mistura de Feira da Providência, parque de diversões e praça gastronômica, o Oktoberfest é palco bem-vindo para famosos da primeira e da segunda liga. Jogadores de futebol, principalmente os do Bayern de Munique, exibem suas mulheres em traje tradicional, o Dirndl, com decotes estonteantes orgulhosamente exibidos às câmeras da TV privada RTL, no programa Exclusiv, líder absoluto de audiência quando se trata de instigar o olhar voyuerista dos espectadores sedentos por momentos glamorosos em seu pacato universo diário.

Não importa se o mesmo Exclusiv trará semanas depois notícias quentinhas sobre separação, barraco, traição dos mesmo casais outrora felizes. O que realmente importa é fazer o espectador achar que, através da lente das câmeras, ele é parte de ocasião tão notória, tão chique, tão especial.

A especialidade da Baviera

Mesmo fazendo parte integrante da Alemanha, essa região do sul no país usufrui conscientemente de um status próprio. Conta com um partido político que defende com unhas e dentes os interesses da região, o CSU (União Social-Cristã), que tem à frente o tinhoso Horst Seehofer, um calo incurável na sola da chanceler Angela Merkel. Seehofer é a voz da Baviera no circo político em Berlim, além de contar com a longa tradição de “irmandade política” com o partido da chanceler, o CDU.

A Baviera tem orgulho do seu dialeto, suas origens, seu poder econômico e político e usa o Oktoberfest para expressar claramente essa identidade. O evento é um cartão de visitas da Baviera para o mundo e prazerosamente consumido pela imprensa internacional, muitas vezes de forma errônea, fazendo do retrato da Baviera a imagem para todo um país.

Da perspectiva do norte da Alemanha, o noticiário sobre o Oktoberfest não causa real interesse e sim uma constatação silenciosa de praxe: “Ah… já chegou a época do Oktoberfest… os ETs da Baviera…”

Manchetes diversas

As imagens e fotos no contexto da abertura do Oktoberfest, como as divulgadas no sábado (22/9) no jornal O Globo, são de jovens mulheres e homens vestidos a caráter, sorridentes e orgulhosos em exibir seu patriotismo – e o que é melhor: sem medo de serem felizes. Fotógrafos procuram vorazes por fotos características e exóticas que giram o mundo.

Depois dos primeiros dias de muita festa, patriotismo e a premissa de se divertir e beber como se não houvesse amanhã, começam a surgir na mídia as imagens de pessoas vindas dos mais diferentes lugares do mundo, caídas pelos cantos dos banheiros, envolvidas em brigas que culminam na polícia ou no hospital, às vezes em estado de coma.

Num país, onde a regra é o maior credo, onde o planejamento é de longo prazo e erros e delitos têm duras consequências, o Oktoberfest oferece a perfeita plataforma para, durante 15 dias, driblar esse código rígido de comportamento, que mesmo de forma mais amena vige também fora dos Alpes da Baviera. O papel da mídia nesse contexto é ao mesmo simples e oportunista: ratificar o estereótipo do Oktoberfest.

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[Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988]

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