Assim que se tornou oficial a não renovação contratual de Guardiola com o Bayern, o torcedor do Gigante da Baviera sentiu um misto de emoções. Dúvidas, expectativas, um certo alívio para alguns, desapontamento em outros tantos e a comum incerteza de como seria até o último dia do mês de junho do ano que vem.
Embora já esperasse pela opção da não extensão de seu vínculo contratual com o clube, não posso negar que fiquei um pouco desapontado com o treinador. Animado com a vinda de Ancelotti (anunciada segundos depois da confirmação de que esta será sua última temporada), mas ao mesmo tempo desapontado com sua decisão.
Desapontado porque sigo achando que não exista motivo algum para um treinador deixar um clube e um projeto de lado visando novos desafios. Ele montou praticamente o time inteiro e conseguiu passar sua filosofia para os jogadores, mesmo depois de duas temporadas fracassando nesse quesito. Chega a ser um tanto nebulosa sua decisão, mas, analisando com frieza, é possível chegar em algumas conclusões, como você verá logo mais.
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O Bild divulgou nesta terça-feira (29) duas notícias, uma que me chamou atenção e outra nem tanto. A que menos me despertou interesse foi a revelação do interesse de Guardiola em contar com Neymar antes de assumir o clube, em junho de 2013 – se você acompanha o Bayern a Secco há pelo menos 13 meses, sabe que já conversamos bastante sobre esse tema por aqui. Giovane Élber, inclusive, endossou a história recentemente, em entrevista exclusiva ao Blog no mês passado.
A notícia que realmente me chamou atenção foi uma em que eles listaram cinco motivos que acabaram sendo preponderantes na decisão de Guardiola. Destes cinco, apenas um é convincente – porém, não suficiente. Os outros, furados. Vamos destrinchá-los.
O primeiro citado por eles: “sua mágoa pelo Bayern não ter conseguido renovar com o Kroos”. A pedida salarial de Kroos estava muito acima do teto estipulado pelo clube (Toni ficou enciumado com as cifras recebidas por Götze e, desde então, passou a forçar um aumento, sem sucesso), e acabou não havendo negócio. A falta de sucesso na negociação, segundo o Bild, deixou Guardiola chateado, mas aí vem uma pergunta: em algum momento Kroos fez falta ao Bayern? Desde que saiu, seus substitutos – Xabi Alonso e Thiago Alcântara – deram conta do recado e fizeram com que ninguém sentisse falta dos passes de lado de Toni. Não houve perda tática e, consequentemente, sem motivos para Guardiola se apegar a essa “perda”. Foi um ótimo negócio.
O segundo motivo do Bild: “falta de planejamento na contratação de Xabi Alonso”. O espanhol veio para o Bayern em uma situação de emergência, visto que na época Martinez estava lesionado e não havia alguém experiente que desse conta do recado. Caiu como uma luva, sendo o principal jogador do Gigante da Baviera na primeira metade da última temporada. Guardiola, segundo o diário alemão, queria sua contratação assim que seu contrato com o Real Madrid acabasse (em junho de 2013), mas é preciso levar em conta dois fatores: o primeiro é o de que o Bayern não realiza negócios sem necessidade (havia fartura para a volância na época). O segundo, e mais importante, é que Thiago Alcântara tinha acabado de ser contratado, e o próprio Guardiola disse na época que não queria mais reforço algum. Um tanto questionável esse interesse repentino em Xabi assim que pisou na Baviera, não?
Terceiro motivo: “Luis Suárez (então no Liverpool) para o lugar de Mandzukic”. O croata vinha de temporada mágica na última sob comando de Jupp Heynckes – foi o vice-artilheiro do clube em 2012/2013, temporada da Tríplice Coroa. Chega a ser mais do que óbvio que o clube não se livraria tão facilmente de nosso então avançado e que não pagaria £42 milhões pelo uruguaio só porque Pep Guardiola queria.
O quarto motivo é a não vinda do Neymar, e sobre isso nós já conversamos bastante (link das conversas estão lá em cima), enquanto que o quinto é a vinda do Vidal (Pep queria um lateral-direito para enfim encravar Lahm no meio). Esse último quesito até faz certo sentido, tendo em vista que Guardiola pretendia acabar com a trajetória de Lahm na sua posição de ofício. Provavelmente sua escolha não foi atendida pois a utilização de Lahm na volância gerou descontentamento na alta cúpula do Bayern. “Quer um volante? Então a gente te traz um volante. Mas lá o Lahm não continua“.
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Destrinchados os cinco motivos do Bild acima, proponho uma reflexão quanto aos quatro argumentos abaixo, que, creio eu, fazem mais sentido quanto à saída do treinador.
1 – Guardiola chegou ao limite e sente que não há mais o que tirar do elenco do Bayern. Foi assim no Barcelona, despediu-se de seu clube formador porque tinha em mente que não havia mais como agregar algo aos seus jogadores. No Bayern, Guardiola já tentou de tudo: das mais diversas variações táticas até as mais diversas trocas de posições. Até o momento não atingiu seu grande objetivo. E isso acabou gerando o segundo motivo.
2 – Desgaste com a torcida. Já não é de hoje que grande parte da torcida do Bayern não aguenta mais as invenções de Guardiola. Não tem jeito: o torcedor do Bayern é tradicional e a grande maioria gosta de ver um lateral jogando na lateral, um volante na volância, e assim vai. Essa troca de jogadores de suas respectivas posições, somadas ao seu estilo veloz de intensa troca de passes, agressão e reposição, geram o terceiro motivo.
3 – Seu estilo de jogo não funciona com a eficácia esperada. Esporte de alto rendimento definitivamente não é saudável. Exigência do limite dos jogadores, somados à correria intensa e tensão gerada pelas respectivas trocas de posições (para que não haja erros), resultou em diversos jogadores lesionados. Na primeira temporada não sofremos com esse tipo de problema, mas na segunda e agora na terceira a conta chegou. Guardiola culpou o Departamento Médico do Bayern pelos seus métodos usados na recuperação dos jogadores, ao término da temporada passada. Todos se demitiram. Entrou um novo corpo médico, e novamente Pep tem brigado com os profissionais. Afinal, quem está errado nessa história? A resposta parece clara.
4 – Vontade de comandar um clube onde tenha mais liberdade. A impressão que Guardiola deixou, nestes últimos dois anos e meio de Bayern, é que ele tinha a ambição de ser manager, ou seja, treinar os jogadores mas também participar de contratações e decisões que cabem à alta cúpula. E no Gigante da Baviera as coisas não funcionam assim. Ele até conseguiu muita liberdade com a diretoria nestes dois anos – em outros tempos jamais a espanholização presenciada no ano passado seria permitida -, mas chegou uma hora que determinados pedidos do treinador não davam mais para ser atendidos. Como contratações exuberantes e liberação de jogadores que ainda podem agregar ao clube, conforme já conversamos lá em cima. Guardiola tentou, mas percebeu (com certo atraso) que não é ele quem comanda o Bayern.
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Mesmo com todos os motivos citados acima, não há, como se tem noticiado por aí, desgaste entre o treinador e a diretoria. Muito pelo contrário: antes do anúncio de sua não renovação, a alta cúpula bávara chegou a oferecer €20 milhões por temporada para que ele renovasse com o clube por mais dois anos. Alguns até dizem que um cheque em branco foi colocado na mesa, embora a história não seja confirmada. Mas não teve negócio: ele sairá em junho do ano que vem.
Talvez seja bom para Guardiola deixar o Bayern, justamente por ter a chance de conseguir, em seu novo clube, a liberdade que tanto almeja. Na Baviera ele possui restrições, mas no Manchester City, seu provável destino, ele teria total liberdade para definir o rumo que tocará o barco. O que nos resta apenas é desejar boa sorte para o treinador em seu novo desafio.
Feliz Ano Novo a todos os leitores do Bayern a Secco e muito obrigado pela grande audiência!
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